segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A alma dos diferentes


Ah, o diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser.
Esse é um imitador do que ainda não foi imitado,
nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais e de alguns menos em hora,
momento e lugar errados para os outros.
Que riem de inveja de não serem assim.
E de medo de não agüentar, caso um dia venham a ser.
O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato.
Mas é sempre confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas.
Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados;
vitórias, adiadas; esperanças, mortas.


Um diferente medroso, este sim, acaba transformando-se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os entendem.



Os diferentes raivosos acabam tendo razão sozinhos, contra o mundo inteiro.
Diferente que se preza entende o porquê de quem o agride.
Se o diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de inferioridade.


O diferente paga sempre o preço de estar - mesmo sem querer -
alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores.
O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual,
a inveja do comum, o ódio do mediano.


O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão,
mas que está sempre certo.


O diferente começa a sofrer cedo, já no primário,
onde os demais, de mãos dadas,
e até mesmo alguns adultos, por omissão,
se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial
em aleijão e caricatura.


O que é percepção aguçada em:
"Puxa, fulano, como você é complicado".
O que é o embrião de um estilo próprio em:
"Você não está vendo como todo mundo faz?"


O diferente carrega desde cedo apelidos
e marcações os quais acaba incorporando.
Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram
(e se transformam) nos seus grandes modificadores.

Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno, agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco;
chora onde outros xingam;
estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem.
Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a alegria impera.
Aceita empregos que ninguém supõe.
Perde horas em coisas que só ele sabe importantes.
Engorda onde não deve.
Diz sempre na hora de calar. Cala nas horas erradas.
Não desiste de lutar pela harmonia.
Fala de amor no meio da guerra.
Deixa o adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de ganhar.


Ele aprendeu a superar riso, deboche, escárnio,
e consciência dolorosa de que a média é má porque é igual.
Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, engordados,
magros demais, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo,
excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas,
cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou de baba.
Aí estão, doendo e doendo,
mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais.



A alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes
que eles guardam para os pouco capazes de os sentir e entender.
Nossas moradas estão tesouros da ternura humana.
De que só os diferentes são capazes.
Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.
{Artur da Távola}

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Vida é movimento

'Viver é uma oportunidade única!
Uma jornada individual que se reinicia todos os dias,
repleta de escolhas e possibilidades.
O bom aprendiz caminha atento e agradece ao acordar a cada manhã,
enxerga a beleza que se disfarça na simplicidade onde flui a paz,
entende que os resultados de hoje foram as opções de ontem,
aprende a se refazer nas pequenas conquistas,
aprecia o hoje antes do incerto amanhã,
porque sabe que não é o tempo que passa, mas nós quem passamos...
Vida é movimento e saber viver é uma arte...
Há uma longa distância entre sentir-se vivo e apenas existir.
O mundo interior dá sinais de alerta,
mas a rotina exterior o contesta.
Seguimos na confusão da vida
sem notar quando começamos a nos perder de nós mesmos,
até que venha a saudade num dia qualquer,
para nos lembrar de como éramos...


Assim, começa para muitos a busca íntima do resgate pessoal.
Para manter o rumo durante o percurso não basta determinação,
tem que ter coragem, saber arriscar e ousar.
Pedras atrapalham, mas também nos ensinam porque surgiram;
nem sempre se pode removê-las,
mas contorná-las é possível desde que os olhos se mantenham no horizonte,
onde estão as metas, sonhos e ideais.
Recomeçar sempre que for preciso é permitir-se uma nova chance.
Datas não servem para marcar o início, apenas para protelar.
O melhor momento para o que deve ser feito é e sempre será “agora”.
Quem espera não realiza, apenas se deixa levar...
Aproveite seu caminho a cada passo, sinta-se livre em si mesmo,
redescubra o prazer e a leveza em simplesmente ser.
Cultive a paz no espírito e relacione-se com seu Criador,
porque ele acredita em você...enquanto o mantém respirando.
No fundo o que importa...,
“é fazer valer a pena”!'

{Mônica Comenale}

sábado, 15 de agosto de 2009


"De todos os dons com que a natureza abençoou os seres humanos,
uma boa gargalhada deve sempre estar no topo da lista."

(Norman Cousins)
Permite que a tua vida se desenrole naturalmente.
Sabe que também ela é um veículo de perfeição.


Da mesma forma que inspiras e expiras,
há um tempo para estar à frente e um tempo
para ser último,
Um tempo para estar em movimento e um tempo
para descansar,
Um tempo para ser vigoroso e um tempo
para estar exausto,
Um tempo para estar a salvo e um tempo
para estar em perigo.


Para o sábio,
toda a vida é movimento
em direção à perfeição;
Assim, que necessidade tem do excessivo,
do extravagante ou do extremo?

Lao-Tzu
estes que vivem atormentados
buscando saber a origem da vida
parecem-me
(e com todo respeito, eu digo)
um tanto mal agradecidos

presente é presente
aceite!
e sorria...
(essa é a melhor maneira de entender a vida)

{Sabrina}

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O normal de cada um tem que ser original.


'Todo mundo quer se encaixar num padrão.


Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de alcançar. O sujeito "normal" é magro, alegre, belo, sociável, e bem-sucedido. Bebe socialmente, está de bem com a vida, não pode parecer de forma alguma que está passando por algum problema. Quem não se "normaliza", quem não se encaixa nesses padrões, acaba adoecendo.


A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento. A pergunta a ser feita é: quem espera o quê de nós?
Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas?


Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha "presença" através de modelos de comportamento amplamente divulgados.


Só que não existe lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, seja lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo.


A normose não é brincadeira.


Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar? Freqüentar terapeuta para bater papo? Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar de exigências fictícias.


Um pouco de auto-estima basta.


Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas as regras bovinamente, e sim, aquelas que desenvolveram personalidade própria e arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu "normal" e jogaram fora a fórmula, não patentearam, não passaram adiante.


O normal de cada um tem que ser original.


Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais.
Eu simpatizo cada vez mais com aqueles que lutam para remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simples e sincera. Para mim são os verdadeiros normais, porque não conseguem colocar máscaras ou simular situações. Se parecem sofrer, é porque estão sofrendo. E se estão sorrindo, é porque a alma lhes é iluminada.


Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bem mais autênticos e felizes.'


{Entrevista do professor Hermógenes sobre o ser humano estar sofrendo de normose, a doença de ser normal. Leia mais sobre o pensamento desse professor no link: http://www.yoga.pro.br/artigos.php?cod=188&secao=3015}

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Meu coração fica junto ao coração dela..."

“A boca fala do que está cheio o coração”: esse é um ditado da sabedoria judaica, que se encontra nas Escrituras Sagradas. Bem que poderia ser a explicação sumária daquilo que a psicanálise tenta fazer: ouvir o que a boca fala para se chegar ao que o coração sente. Acontece comigo. Cada texto é uma revelação do coração de quem escreve.




Pois o meu coração ficou cheio com uma coisa que me disse minha neta Camila, de onze anos. O que ela falou fez meu coração doer. Como resultado fico pensando e falando sempre a mesma coisa.


A Camila estava na sala da televisão sozinha, chorando. Fui conversar com ela para saber o que estava acontecendo. E foi isso que ela me disse: “Vovô, quando eu vejo uma pessoa sofrendo eu sofro também. O meu coração fica junto ao coração dela...”


Percebi que o coração da Camila conhecia aquilo que se chama “compaixão”. Compaixão, no seu sentido etimológico, quer dizer “sofrer com”. Não estou sofrendo. Mas vejo uma pessoa sofrer. Aí eu sofro com ela. Ponho o outro dentro de mim. Esse é o sentido do amor: ter o outro dentro da gente. O apóstolo Paulo escreveu que posso dar tudo o que tenho aos pobres, mas se me faltar o amor, nada serei. Porque posso dar com as mãos sem que o coração esteja a sentir. A compaixão é uma maneira de sentir. E dela que brota a ética. Alguém foi se aconselhar com Santo Agostinho sobre o que fazer numa determinada situação. Ele respondeu curto e definitivo: “Ama e faze o que quiseres.” Pois não é óbvio? Se tenho compaixão nada de mal poderei fazer a quem quer que seja.


Fernando Pessoa escreveu um curto poema em que descreve a sua compaixão. Por favor, leia devagar: “Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo. Nem distingue a memória do que vi do que fui”. Compaixão por um arbusto... Ele explica esse mistério da alma humana dizendo que “em tudo quando olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa passo...” Os olhos, movidos pela compaixão, o faziam participante da sorte do pequeno arbusto...


Eu já sabia disso. Mas nunca havia enchido o meu coração ao ponto de doer. Doeu porque liguei a fala da Camila a essa tristeza que está acontecendo no Brasil.


Os corruptos são homens que passaram pelas escolas, são portadores de muitos saberes. Tendo tantos saberes, o que lhes falta? Falta-lhes compaixão.
 
A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os velhos e posso até mesmo escrever uma tese sobre eles, se eu for um professor universitário. Mas a tristeza do velho é só dele, não entra dentro de mim. Durmo bem. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo as crianças mendigando nos semáforos mas não me sinto uma criança mendigando num semáforo. Vejo os meus alunos nas salas de aulas, mas meu dever de professor é dar o programa e não sentir o que os meus alunos estão sentindo.


De que vale o conhecimento sem compaixão? Todas as atrocidades que caracterizam os nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons.


Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Mas não me lembro de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho de Janucz Korczak Como amar uma criança . Mas Korczak é uma exceção. Ele sabia que para se ensinar algo a uma criança é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico... Por isso o amo...


Aí fiz a mim mesmo uma pergunta pedagógica: “Como ensinar a compaixão? Conversando sobre isso com minha filha Raquel, arquiteta, ela se lembrou de um incidente dos seus primeiros anos de escola, quando menina de sete anos. Seria o aniversário da faxineira, uma mulher que todos amavam. A classe se reuniu para escolher o seu presente. Ganhou por unanimidade que, no dia do seu aniversário, as crianças fariam o seu trabalho de faxina. Disse-me a Raquel que a faxineira chorou...


Sei que as crianças aprendem com o olhar, o olhar das professoras. Elas sabem quando as professoras as olham com os mesmos olhos com que Fernando Pessoa olhava o arbusto. Sei também que as estórias provocam compaixão, quando o leitor se identifica com um personagem. Sei de um menininho que se pôs a chorar ao final da estória O patinho que não aprendeu a voar. Ele teve compaixão do patinho. Identificou-se com ele. Vai carregar o patinho dentro de si embora o patinho não exista. Lemos estórias para as crianças e para nós mesmos não só para ensinar a língua mas para ensinar a compaixão.


Mas continuo perdido. Preciso que vocês me ajudem. Como se pode ensinar a compaixão?


{Rubem Alves}

domingo, 2 de agosto de 2009

Amor

"As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os seus problemas quando, na realidade, o amor é a recompensa por você ter resolvido os seus problemas." (Normam Mailer)


Temos a mania de achar que o amor é algo que se busca. Buscamos o amor nos bares, buscamos o amor na Internet, buscamos o amor na parada do ônibus... Como num jogo de esconde-esconde, procuramos pelo amor que está oculto dentro das boates, nas salas de aula, nas platéias dos teatros. Ele certamente está por ali, você quase pode sentir o seu cheiro, precisa apenas descobri-lo e agarrá-lo o mais rápido possível, pois só o amor salva, só o amor traz felicidade.


Amor não é medicamento. Se você está deprimido, histérico ou ansioso demais, o amor não se aproximará, e, caso o faça, vai frustrar sua expectativa, porque o amor quer ser recebido com saúde e leveza, ele não suporta a idéia de ser ingerido de quatro em quatro horas, como um antibiótico para combater as bactérias da solidão e da falta de auto-estima.


Você já ouviu muitas vezes alguém dizer: "Quando eu menos esperava, quando eu havia desistido de procurar, o amor apareceu." Claro, o amor não é bobo, quer ser bem tratado por isso escolhe as pessoas que, antes de tudo, tratam bem de si mesmas. O amor, ao contrário do que se pensa, não tem que vir antes de tudo: antes de estabilizar a carreira profissional, antes de viajar pelo mundo, de curtir a vida. Ele não é uma garantia de que, a partir do seu surgimento, tudo o mais dará certo. Queremos o amor como pré-requisito para o sucesso nos outros setores, quando, na verdade, o amor espera primeiro ser feliz para só então surgir diante de você sem máscara e sem fantasia. É essa a condição. É pegar ou largar.

Para quem acha que isso é chantagem, arrisco sair em defesa do amor: ser feliz é uma exigência razoável e não é tarefa tão complicada. Felizes são aqueles que aprendem a administrar seus conflitos, que aceitam suas oscilações de humor, que dão o melhor de sí e não se autoflagelam por causa de erros que cometeram. Felicidade é serenidade. Não tem nada a ver com piscinas, carros e muito menos com príncipes encantados. O amor é o prêmio para quem relaxa.
{Martha Medeiros}


Resumindo: ame-se!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Viva como as flores

Em um antigo mosteiro budista, um jovem monge questiona o mestre:

"Mestre, como faço para não me aborrecer? Algumas pessoas falam demais, outras são ignorantes, muitas são indiferentes. Sinto ódio das mentirosas e sofro com as que caluniam."

"Pois viva como as flores," orientou o mestre.

"E como é viver como as flores?" Perguntou o discípulo.


"Repare nas flores," falou o mestre, apontando os lírios que cresciam no jardim.

"Elas nascem no esterco, entretanto, são puras e perfumadas. Extraem, do adubo malcheiroso, tudo que lhes é útil e saudável... mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas pétalas.

É justo inquietar-se com as próprias imperfeições, mas não é sábio permitir que os vícios dos outros o perturbem. Os defeitos deles são deles e não seus. Se não são seus, não há razão para aborrecimento.

Exercite, pois, a virtude de rejeitar todo mal que vem de fora. Isso é viver como as flores."



{autoria desconhecida/imagem: Márcia B.}

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Árvore "torta"

Um dia, diante da velha árvore torta, um pinheiro todo vergado pelo tempo, o sábio da aldeia ofereceu a sua própria casa para aquele discípulo que "conseguisse ver o pinheiro na posição correta". Todos se aproximaram e ficaram pensando na possibilidade de ganhar a casa e o prestígio, mas como seria "enxergar o pinheiro na posição correta"? O mesmo era tão torto que a pessoa candidata ao prêmio teria que ser no mínimo contorcionista.
Ninguém ganhou o prêmio e o velho sábio explicou ao povo ansioso que, ver aquela árvore em sua posição correta, era "vê-la como uma árvore torta". Só isso!

Nós temos, em nós, esse jeito, essa mania de querer "consertar as coisas, as pessoas, e tudo o mais" de acordo com a nossa visão pessoal. Quando olhamos para uma árvore torta, é extremamente importante enxergá-la como árvore torta, sem querer endireitá-la, pois é assim que ela é. Se você tentar "endireitar" a velha árvore torta, ela vai rachar e morrer, por isso é fundamental aceitá-la como ela é.

Nos relacionamentos, é comum um criar no outro expectativas próprias, esperar que o outro faça aquilo que ele "sonha" e não o que o outro pode oferecer. Sofremos antecipadamente por criarmos expectativas que não estão alcance dos outros. Porque temos essa visão de "consertar" o que achamos errado. Se tentássemos enxergar as coisas como elas realmente são, muito sofrimento seria poupado. Os pais sofreriam menos com os seus filhos, pois, conhecendo-os, não colocariam expectativas, que são suas, na vida dos mesmos, gerando crianças doentes, frustradas, rebeldes e até vazias. Tente, pelo menos tente, ver as pessoas como elas realmente são, pare de imaginar como elas deveriam ser, ou tentar consertá-las da maneira que você acha melhor. O torto pode ser a melhor forma de uma árvore crescer. Não crie mais dificuldades no seu relacionamento, se vemos as coisas como elas são, muitos dos nossos problemas deixam de existir, sem mágoas, sem brigas, sem ressentimentos.

E, para terminar, olhe para você mesmo com os "olhos de ver" e enxergue as possibilidades, as coisas que você ainda pode fazer e não fez. Pode ser que a sua árvore seja torta aos olhos das outras pessoas, mas pode ser a mais frutífera, a mais bonita, a mais perfumada da região, e, isso, não depende de mais ninguém para acontecer, depende só de você.
Pense nisso!


{Paulo Roberto Gaefke/foto: Márcia B.}

Mudar de casa



É bom mudar de casa, de janela,


arrumar de outra maneira as ilusões,


tratar de coisas puras como tintas e sofás,


pôr ordem entre os livros e a vida,


simular a liberdade.


Parece-nos possível voltar a acreditar


na mão que nos estende um pé de salsa,


na pechincha da beleza, quando passa


no poente da razão.


Apetece cometer uma loucura,


comprar um telescópio,


decorar o canto nono dos Lusíadas,


subir umas escadas do avesso,


pensar que nunca mais teremos frio.




{José Miguel Silva. Foto de Kan Gory Paw}

terça-feira, 28 de julho de 2009

A complicada arte de ver

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

{Rubem Alves}

terça-feira, 21 de julho de 2009

Desenvolvimento da capacidade de resiliência: uma alternativa frente aos desafios da contemporaneidade?


“A resiliência costuma ser definida como uma característica comum entre as pessoas que costumam responder satisfatória e saudavelmente aos processos de mudança e de incerteza ao longo da vida.


Ao tomarmos por referência as características do mundo contemporâneo, verifica-se o quanto o desenvolvimento da resiliência é imprescindível. Contudo, já os antigos gregos, por acreditarem ser muito perigoso supor que planos sempre se materializam de acordo com o esperado, referiam-se, de alguma forma, à necessidade de adquirir resiliência, quando mencionavam a 'inteligência prática', que vem da valorização da adaptabilidade e da crença que a preparação e a escolha permitem ao sujeito influenciar seu futuro, como uma característica que faria as pessoas se prepararem melhor para enfrentar mudanças (Flach, 1991; Conner, 1995).


Pessoas resilientes sentem os mesmos medos e apreensões que todo mundo quando se envolvem em uma mudança. Porém, elas geralmente são capazes de manter sua produtividade, qualidade e competência, assim como o equilíbrio de sua saúde emocional, física e social, ao mesmo tempo que vencem desafios e alcançam a maioria dos objetivos, sejam eles pessoais ou coletivos. A resiliência, portanto, está associada à capacidade de aprender continuamente consigo mesmo, com os outros, com o contexto.


O desenvolvimento da resiliência permite às pessoas ampliar sua capacidade de recuperação ao serem expostas aos estresses da mudança, bem como a capacidade de enfrentar a ambiguidade, ansiedade e perda de controle que acompanham qualquer processo de mudança, fortificando-se com as experiências, em vez de se sentirem esgotadas.


Para Conner (1995), algumas pessoas tendem a ver, sobretudo, as implicações perigosas das mudanças, enquanto outras tendem a se concentrar nas promessas de novas oportunidades que podem ser encontradas nas mudanças. Esse autor identifica o primeiro grupo como o de 'pessoas orientadas pelo perigo', porque essas pessoas vêem a crise da mudança como algo ameaçador e podem se sentir vitimadas por ela. Costumam interpretar a vida em termos binário e sequencial, esperando que as mudanças progridam lógica e ordenadamente e, portanto, têm dificuldades em lidar com a ambivalência que envolve as situações de mudança. Quando confrontadas com a mudança, geralmente são reativas, e não produtivas.
Já o segundo grupo, o das 'pessoas orientadas pela oportunidade', apesar de reconhecerem os perigos, colocam a mudança como uma vantagem em potencial a ser explorada, em vez de um problema a ser evitado, isto é, possuem uma visão otimista da vida, que lhes permite lidar com a confusão e as adversidades da mudança, sendo capazes de se reorientarem, revendo seus propósitos sem abandoná-los. Esses propósitos podem ser expressos por crenças religiosas, convicções políticas, filosóficas ou por um projeto de vida. Para essas pessoas, a vida é vista como um conjunto de variáveis interativas, constantemente em modificação, e supõem que o futuro trará um novo conjunto de oportunidades e escolhas que levarão a desafios mais complexos. Acreditam que as frustrações e desconfortos fazem parte do processo de adaptação que a mudança exige. As pessoas orientadas pela oportunidade geralmente são independentes e auto-suficientes, mas reconhecem suas limitações e sabem pedir ajuda, pois confiam nos relacionamentos pessoais. Elas aceitam a mudança como parte natural da vida e sabem equilibrar suas expectativas, tendo como parâmetro as possibilidades da realidade.


É importante salientar que um comportamento orientado para o perigo não é necessariamente ruim, pois não há nada de errado em resistir à mudança, pelo contrário: a resistência é uma resposta saudável e natural a expectativas quebradas. Em determinadas situações, esse tipo de resposta é tão legítima e apropriada quanto a orientada pela oportunidade, mas quando essas reações (orientadas pelo perigo) se tornam predeterminadas, instintivas e habituais, geram problemas. Além disso, todos nós temos as duas tendências, diferenciando-nos, contudo, pela intensidade e pelas circunstâncias em que essas tendências são manifestadas.


Nesse sentido, é pertinente salientar que, embora possamos falar em características das pessoas resilientes, isso não significa que tais pessoas não possam apresentar um baixo grau de resiliência diante de determinadas dimensões ou situações de vida e em diferentes momentos da vida. Isto ocorre, fundamentalmente, pela dinamicidade que compõe o funcionamento da personalidade de cada sujeito (Castilhos, 2002).


Conner (1995) aponta elementos que identificam o comportamento das pessoas orientadas pela oportunidade e refletem as cinco características básicas da resiliência: positividade, vêem a vida como desafiadora, mas cheia de oportunidades; foco, têm uma visão clara do que querem alcançar e realizar; flexibilidade, são maleáveis ao responder à incerteza; organização, desenvolvem abordagens estruturadas para gerenciar a ambiguidade; proação, induzem mudanças em vez de se defenderem delas.


Por sua vez, Flach (1991) aponta as seguintes características de pessoas resilientes:
capacidade de aprendizagem;
tolerância à frustração e ao sofrimento;
criatividade na solução de problemas;
habilidade de resgate da autoestima quando em situações em que ela está abalada; sentimento de auto-respeito;
autonomia, liberdade e interdependência;
habilidade de fazer e manter amigos (vínculos afetivos);
disposição para sonhar;
apurado senso de humor;
interesses diversificados;
capacidade de determinar os limites de profundidade de uma relação de dependência;
percepção de si e do que está a sua volta;
contextualização interna e externa;
perspectiva de vida sustentada em uma filosofia vital e processual, que permite interpretar as experiências da vida como um todo, extraindo um significado pessoal.


Flach (1991) refere-se, contudo, ao importante papel que um ambiente de apoio exerce na sustentação da resiliência. Segundo esse autor, é possível identificar vários elementos que podem facilitar a resiliência – e não é nenhuma surpresa que esses elementos se ajustem perfeitamente às características básicas da personalidade resiliente. Isso inclui:


estruturas coerentes, mas flexíveis;
um grupo de pessoas que possibilitem o contato humano acolhedor;
sentido de comunidade;
comunicação aberta e receptividade a novas ideias;
respeito, reconhecimento, aceitação;
limites de comportamento definidos e realistas;
garantia de privacidade;
tolerância às mudanças e aos conflitos;
busca de reconciliação;
valores humanos construtivos; esperança e empatia.


Pensando em ambientes resilientes, cabe refletir sobre o quanto as organizações estão conseguindo fazer a gestão de tais atributos em seu clima organizacional, por exemplo. Na mesma linha, Fernandes (1996) afirma que é preciso atentar para uma gama de fatores que, quando presentes em uma situação de trabalho, refletem-se na satisfação e participação do trabalhador, mobilizando suas energias e atualizando seu potencial.


À medida que as organizações adquirem vida através das pessoas que as compõem, observa-se que aumentar o grau de resiliência de uma organização só é possível quando há avaliação, canalização e desenvolvimento de potenciais, num movimento de aprendizagem contínua e interdependente, capaz de transformar competência individuais em coletivas. E competência coletiva está essencialmente vinculada a um estado de consciência coletiva que se traduz e se consolida na capacidade das pessoas de refletir e agir interdependentemente. Em última análise, isso remete à construção de um ambiente de trabalho mais propício à realização humana, e, portanto, com mais qualidade de vida.” (sic)


{Patrícia Martins Fagundes}
Fonte: Gestão contemporânea de pessoas: novas práticas, conceitos tradicionais. / organização por Claudia Bitencourt. Porto Alegre: Bookman, 2004.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O coração do menino e o menino do coração


"O miúdo nasceu com as acertadas aparências. Só em altura de ensaiar primeiras marchas lhe notaram o defeito, o enviezamento nos pezinhos, cada um não sendo como cada qual. Sobre as pegadas estrábicas a avó vaticinou:
- Este miúdo vai caminhar para dentro dele mesmo. Depois outra malconveniência se somou: o rapaz engrumava com o riso parvo de quem finge concordância. Não há medo maior que o riso parvo de quem finge concordância. Não há medo maior que não se entender humana voz de outra humana pessoa.
A mãe conduziu a criança ao hospital. O doutor mergulhou o ouvido no peito e se ensurdeceu de tanto coração. O menino tinha o pulsar à flor da pele. O médico parecia entusiasmado com o inédito caso.
- Necessitamos que ele fique, para mais exames...
- Nem pensar. Esse menino entrou comigo, há de sair comigo.
- Mas a senhora nem faz idéia... temos que encontrar um nome para a doença dele.
- Como um nome?
- Essa doença: eu tenho que encontrar um nome!
- Mas esse nome, será que vai curar a doença dele?
O médico sorriu. Ai essa gentinha simples, tão exímia em ser pensada pelos outros. E assim, sorriso descaindo no lábio, ficou olhando, mãe e filho se afastarem no corredor.
O menino levava em sua mão, descaída uma pétala, uma carta que ele mesmo redigira. Queria ter dado ao doutor esse papelinho que sua inabilidade enchera de letrinha. Com desatenta ternura, a mãe lhe tirou o papel dos dedos e o lançou no latão. A mania desse mirabolhante! Deveria ser outra dessas tantíssimas cartas que o tontinho fingia escrever para sua apaixonada priminha.
- Você ainda se carteia com Marlisa? O menino negou com veemência. A mãe sacudiu a cabeça. Enfim, quanto ela se esforçara em vão. Valera a pena insistir em ensinamentos em quem nunca aprendera? Também Marlisa, a visada sobrinha, jamais cedera em abrir as cartas. Nem valia a pena espreitar a caligrafia do atarantonto. Uns andaram na lua. No caso, a lua é que andava nele.
Certa vez, o rabiscador daqueles engatafunhos desabou no fundo do tempo. O menino faleceu, em azulidão de pele, todo frio como se nenhuma luz dele tivesse vontade. Os médicos acorreram para levarem o corpo e lhe administrarem a extrema autópsia. Lhe arrancaram o coração, o universátil músculo, enormíssimo como um planeta carnudo. O órgão ficou em vitrina, exposto à ciência e aos noticiários. Os cardiologistas disputavam, em sucessivos colóquios, um apropriado nome para batizar a anormalidade. Passaram-se os dias, anônimos.
Era um fim de tarde, a prima Marlisa, ao arrumar as poeiras da casa, deparou com um monte das inúteis cartas. Sopesou-as antes de as lançar no fogo. Hesitou por um segundinho: o moço sabia abecedar uma simples linha? Pelo sim, pelo talvez, ela se aventurou a espreitar o primeiro envelope. E ali se sentou em espanto, ruga na fronte, mãos enrolando um demorado cabelo. Ficou horas no assentado degrau. Aquilo não eram cartas, mas versos de uma lindeza que nem cabiam no presente mundo. Marlisa inundou a tristeza, tingiram-se as letras. Quanto mais a prima primava em seguir leitura mais rimava com nenhuma outra mulher, toda ela fora do contexto de existir. A moça se apaixonava postumamente? Mas ali, arremessada na escada, nem Marlisa imaginava o que, no simultâneo tempo, se passava com o coração do primo que Deus e a ciência guardavam.
Pois que, na vitrina gelada do Hospital, mal se rasgou o primeiro envelope, o coração do primo deflagrou em sobressalto. Um oh se estilhaçou nos visitantes. E à medida que Marlisa, mais longe que mil paredes, ia desfolhando versos, o coração mais se desembrulhava, tremelusco-fuscando. Até que, daquele novelo vermelho, se viu desprender um braço, mais adiante um pé e a redondez de um joelho e mais argumentos que faziam valer o fato: aquele coração estava em flagrante serviço de parto! E se confirmava, vinda das entranhas do útero cardíaco, uma total recém-criança. E quando, finalmente, o parto se desfechou, se viu que o menino nascera igual ao seu progenitor de peito. Fazia medo como um quimicava o outro a papel chapado. Em tudo se assemelhavam, menos no desenho do pé. Os pés do nascido eram divergentes, como quem viesse para procurar, fora de si, gente de outras histórias.”

{Mia Couto}
Encontrei essa linda e comovente estória por "acaso", num belo blog que, mesmo ainda não tendo navegado com mais vagar por ele, recomendo e verão porquê, logo de início.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Indivisíveis


"O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos solhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal — ou celestial — inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amar sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida..."

{Mario Quintana}

Pra que serve o Amor?

De uma forma ou de outra, causando alegria ou tristeza, o amor faz parte da história de vida de qualquer ser humano. Então, por que será que ainda causa tanta ansiedade, dúvidas, sofrimento? Obviamente, causa também satisfação, realização e felicidade, mas parece que, ao dar tudo certo, uma frase teima em gritar na nossa mente: tudo o que é bom dura pouco!

Será? Será mesmo que precisamos passar a vida toda temendo o fim de um grande amor? Ou talvez, precisamos aceitar a idéia de que o amor não é para todos? Que para encontrar e viver um amor de verdade precisamos ser dotados de sorte ou de algum tipo de poder mágico de encantamento? Sinceramente, acredito que o amor é para todos. Porém, a questão é: mesmo sendo o amor para todos, nem todos são para o amor!!! Como saber? Você é? Eu sou? O que fazer para ser? Felizmente, a escolha é de cada um. A decisão de ser e estar para o amor só depende de nossas atitudes, de nossas crenças internas, de nossa consciência e disponibilidade para se entregar a esse sentimento e aceitar os desafios que chegam com ele.

Creio que o primeiro e maior desafio referente às relações amorosas seja pararmos de acreditar que o amor é um conto de fadas, como se bastasse encontrar um príncipe ou princesa para que ele aconteça sozinho, para que os sentimentos bons cresçam e se mantenham sem que nada precisemos fazer. Porque baseados nessa crença investimos nosso tempo e nossa energia aprendendo truques de sedução, diversas maneiras eficazes e infalíveis de conquistar quem quer que seja... Apostamos demasiadamente em nossa aparência e justificamos tanto nossos ganhos quanto nossas perdas a partir do que enxergamos diante do espelho.

Muitas vezes nos tornamos reféns de roupas, cabelos, maquiagem, moda, sapatos, cores, caras e bocas para, enfim, nos tornarmos aptos a viver um grande amor. No entanto, isso é uma grande besteira. Ou melhor, a aparência tem sua importância, é verdade, mas tão ínfima e tão efêmera, tão passageira que não tem força nem consistência para fazer nascer e crescer um amor verdadeiro...


O amor está além da casca e se alimenta de consistência, de algo que melhore com os anos, que se torne mais forte à medida que faz 10, 30, 50 anos. E convenhamos: a maioria de nós, reles mortais, tende a obedecer à lei da gravidade a cada ano. A pele enruga e fica flácida, o corpo perde a agilidade e a juventude, o raciocínio fica mais lento e as rugas se tornam cada vez mais evidentes... E ainda assim, o amor pode crescer a cada dia, pode se superar e evoluir, fazendo seus praticantes ainda mais felizes do que no início, quando a pressa e o medo de não viver tudo o que podiam fazia com que não percebessem a paz e a felicidade que pequenos gestos podem trazer à nossa vida.


É difícil acreditar nisso quando ainda somos jovens e nosso maior objetivo é ao menos encontrar alguém com quem possamos usufruir toda a paixão que pulsa em nós. Mas precisamos compreender o papel do amor em nossas vidas, para somente então nos disponibilizarmos realmente.

Enquanto acreditarmos que os relacionamentos têm a função de nos satisfazer em todos os sentidos, como se fosse uma espécie de servo que chega para acabar com nossas frustrações e solidão, ficaremos pulando de promessa em promessa, de casamento em casamento, nos sentindo cada vez mais vazios, mais infelizes.

Precisamos admitir que as derrotas que sofremos são conseqüências de nossas próprias atitudes, de nossas próprias escolhas. Somente quando entendemos que somos responsáveis por nossa felicidade que podemos mudar, buscar novas alternativas, novas possibilidades e novas maneiras de viver.

Todos nós erramos, mas a vitória está depois do erro. Não importa quantas vezes caímos, mas quantas vezes levantamos. Porque a vitória está exatamente na vez em que levantamos; nunca na vez em que caímos!

E quando aplicamos essa teoria nos relacionamentos amorosos, não podemos considerar cada dificuldade como um sinal de que é hora de desistir, de acabar tudo e procurar outra pessoa. Senão, passaremos nossa vida inteira em busca de alguém que nunca nos desaponte, nunca cometa nenhum erro ou nunca nos faça sofrer. Amor não é isso. Em algum momento desapontaremos a pessoa amada, mas são nesses momentos que nossas reações mais contam para nossa vitória ou nosso fracasso. Ou seja, a função do amor é nos mostrar que o relacionamento entre duas pessoas é passível de dor e enganos e que isso acontece justamente para que possamos refletir sobre nossa participação na dor e no engano. Sim, porque não há um culpado e um inocente. Não há um carrasco e uma vítima.

Quando duas pessoas resolvem compartilhar suas vidas, fazem isso baseadas em semelhanças, ideais e afinidades. Enfim, não somos ímãs, somos pessoas; portanto, no amor não vale a máxima os opostos se atraem, mas sempre os semelhantes se atraem.

Sendo assim, no momento em que algo não vai bem na relação, a função do amor é levar-nos ao seguinte questionamento: por que escolhi essa pessoa? Certamente tenho algo a aprender com ela. E se ela é semelhante a mim, o que há em mim que atraiu alguém como essa pessoa?

Se você tiver coragem de se fazer essas perguntas e, principalmente, de dedicar um precioso tempo de sua existência em busca das respostas, você poderá chegar a duas conclusões: ou essa pessoa é sua mestra e, a despeito de todas as dificuldades, você saberá que poderá evoluir. Ou essa pessoa entrou em sua vida para lhe mostrar que algo dentro de você tem de mudar muito, para que você possa atrair a pessoa certa.Resumindo: a pessoa certa pode nos ensinar a enxergar os nossos próprios erros e a mudar, a melhorar. E a pessoa errada pode nos ensinar que temos de mudar nossos conceitos internos sobre amor, casamento e relacionamento, a fim de que possamos atrair a pessoa certa. Mas independentemente de ser a pessoa certa ou a pessoa errada, pode ter certeza de que todo o aprendizado será iniciado a partir de uma dificuldade, de uma crise, de uma decepção, de um erro, enfim, de algo que incomoda, que nos faz questionar, avaliar, analisar e refletir.

Não há como crescer na perfeição, porque o que é perfeito não precisa ser mudado! E como somos imperfeitos e como nossa missão aqui na Terra é evoluir, foi nos dado o amor. Eis a sua função, eis o seu papel na vida de homens e mulheres.


{Rosana Braga é Escritora, Jornalista e Consultora em Relacionamentos Palestrante e Autora dos livros "Alma Gêmea - Segredos de um Encontro" e "Amor - sem regras para viver", entre outros.}

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Rabiscando


Aspiro teus suspiros

Respiro tua alma

E a devolvo, calma.

{Márcia B. - arquivo pessoal}

sábado, 23 de maio de 2009

Para quem quer aprender a gostar

{Artur da Távola}

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor. Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.

Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito. Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.


Tenho visto muito amor por aí. Amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva. Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos. Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção. Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.

Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais, de repente se percebem ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razões.

Ter razão é o maior perigo no amor. Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reinvindicar, de exigir justiça, eqüidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira.

Ter razão é um perigo: em geral enfeia um amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada.
Amar bonito é saber a hora de ter razão.

Ponha a mão na consciência. Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito? De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria, do encontro, da dor, do desencontro, a maior beleza possível? Talvez não.

Cheio ou cheia de razões você espera do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer. Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito. Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança. E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.

Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margarida e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre. Recomenda-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, "aquela conversa importante que precisamos ter"; arquivar se posível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama, toda atenção é sempre pouca.

Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda a atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo desta atenção cobrando a que deixou de ter.

Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como a criança de nariz encostado na vitrina cheia de brinquedos dos nossos sonhos): não teorize sobre o amor; ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.

Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente.

Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser. Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs. Falando besteira, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil. Revivendo os carinhos que intuiu em criança. Sem medo de dizer eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.

Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo o seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo que você é, e nunca: deixaram, conseguiu, soube, pode, foi possível, ser.

Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto. Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuide agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você.

Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.
(imagens da net)

Ajuda-te, ajuda


Vale assistir:

Rever valores, conceitos, a vida... Não para se resignar, jamais! Mas para reconhecer o quão privilegiados somos e reavivar a força pra seguirmos na mais ferrenha luta do dia-a-dia: com nós mesmos. (Até porque, quem realmente tem motivos pra reclamar, não tem tempo pra isso, tem de buscar soluções!)
(imagem da net)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Rabiscando

Nossos labirintos...
onde me perco e me encontras;
onde te perdes e te encontro.
Onde vamos aprendendo o caminho da saída:
do teu, sou eu;
do meu, és tu.

{ambos rabiscos by me}

Aprendendo a desaprender


Passamos a vida inteira ouvindo os sábios conselhos dos outros. Tens que aprender a ser mais flexível, tens que aprender a ser menos dramática, tens que aprender a ser mais discreta, tens que aprender... praticamente tudo.



Mesmo as coisas que a gente já sabe fazer, é preciso aprender a fazê-las melhor, mais rápido, mais vezes. Vida é constante aprendizado. A gente lê, a gente conversa, a gente faz terapia, a gente se puxa pra tirar nota dez no quesito "sabe-tudo". Pois é. E o que a gente faz com aquilo que a gente pensava que sabia?


As crianças têm facilidade para aprender porque estão com a cabeça virgem de informações, há muito espaço para ser preenchido, muitos dados a serem assimilados sem a necessidade de cruzá-los: tudo é bem-vindo na infância. Mas nós já temos arquivos demais no nosso winchester cerebral. Para aprender coisas novas, é preciso antes deletar arquivos antigos. E isso não se faz com o simples apertar de uma tecla. Antes de aprender, é preciso dominar a arte de desaprender.


Desaprender a ser tão sensível, para conseguir vencer mais facilmente as barreiras que encontramos no caminho. Desaprender a ser tão exigente consigo mesmo, para poder se divertir com os próprios erros. Desaprender a ser tão coerente, pois a vida é incoerente por natureza e a gente precisa saber lidar com o inusitado. Desaprender a esperar que os outros leiam nosso pensamento: em vez de acreditar em telepatia,é melhor acreditar no poder da nossa voz. Desaprender a autocomiseração: enquanto perdemos tempo tendo pena da gente mesmo, os dias passam cheios de oportunidades.


A solução é voltar ao marco zero. Desaprender para aprender. Deletar para escrever em cima. Houve um tempo em que eu pensava que, para isso, seria preciso nascer de novo, mas hoje sei que dá pra renascer várias vezes nesta mesma vida. Basta desaprender o receio de mudar.


{Martha Medeiros}